segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
"Para que escrevo? E eu sei? Sei não"
domingo, 30 de janeiro de 2011
Aquela amizade.
sexta-feira, 7 de janeiro de 2011
Alerta!
Separação
Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como
quem repete um gesto imemorialmente irremediável. No
íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta sentiu
que nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas
vezes contada na história do amor, que é história do mun-
do. Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma
incompreensão e um anelo, como a pedir-lhe, ao mesmo
tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que
era tudo impossível entre eles.
Viu-a assim por um lapso, em sua beleza morena, real
mas já se distanciando na penumbra ambiente que era para
ele como a luz da memória. Quis emprestar tom natural ao
olhar que lhe dava, mas em vão, pois sentia todo o seu ser
evaporar-se em direção a ela. Mais tarde lembrar-se-ia não
recordar nenhuma cor naquele instante de separação, ape-
sar da lâmpada rosa que sabia estar acesa. Lembrar-se-ia
haver-se dito que a ausência de cores é completa em todos
os instantes de separação.
Seus olhares fulguraram por um instante um contra o
outro, depois se acariciaram ternamente e, finalmente, se
disseram que não havia nada a fazer. Disse-lhe adeus com
doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo
numa tentativa de secionar aqueles dois mundos que eram
ele e ela. Mas o brusco movimento de fechar prendera-lhe
entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele
ficou retido, sem se poder mover do lugar, sentindo o pran-
to formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca
de espaço, como um rio que nasce.
Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do mo-
mento, mas o fato de sabê-la ali do lado, e dele separada por
imperativos categóricos de suas vidas, não lhe dava forças
para desprender-se dela. Sabia que era aquela a sua amada,
por quem esperara desde sempre e que por muitos anos
buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca.
Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria
em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo
como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, distanciar-se
dela cada vez mais, cada vez mais. E no entanto ali estava,
a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma
outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela
que ele abençoara com os seus beijos e agasalhara nos ins-
tantes do amor de seus corpos. Tentou imaginá-la em sua
dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida
em suas cogitações próprias – um ser desligado dele pelo
limite existente entre todas as coisas criadas.
De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu
para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde...
(Vinícius de Moraes)